sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

1)- BATISMO DE FOGO




Nasci em 1934 em Bologna, Itália, primogénito de quatro irmãos, filho de pais Católicos, mãe professora e pai funcionário do Ministério do exterior. A consequência natural foi seguir os preceitos da Igreja Romana alem de ir residir em Paris -França, com poucos meses de vida.
Paris, a cidade luz... Foi lá, no magnífico jardim de Versalhes, que mesmo sem ter noção disso vivi a primeira aventura: O carrinho de bebe em que eu dormia foi levado por estranhos enquanto minha baba namorava. Horas após fui achado chorando entre um canteiro de flores.
Em 1939 uma decisão de meu pai o levou a demitir-se e, após adquirir e despachar para este País máquinas e suprimentos, em Novembro daquele ano veio também. Em Fevereiro do ano seguinte, instalado em termos de residência e organizado produtivamente, pediu a minha mãe que providenciasse a vinda. Em Junho, enquanto estávamos em Génova aguardando o embarque, Mussolini, o líder da República Social Italiana, inseriu o País na segunda guerra mundial ao lado de Eixo e declarou guerra à Inglaterra e a França.
Era o dia 10 de Junho de 1940. Sem outra alternativa voltamos á Bologna onde minha minha mãe, além de cuidar de nos quatro, teve que lutar para reorganizar a vida.
Quatro meses após, em Outubro, a Itália, que já estava em guerra com a Líbia, atacou a Grécia. Nesse novo fronte, no entanto, seu exercito, por se defrontar com tropas bem treinadas e melhor armadas, foi rechaçado até a fronteira da Albânia. Mas não era só neste País que o ímpeto guerreiro do Duce estava sendo detido, porque os ingleses, agora lutando lado a lado com as tropas líbias, estavam levando a melhor. Até que em maio daquele ano, vencedores, recolocaram no trono Líbio o rei Hallé Selassié. Concomitantemente a Inglaterra passara a bombardear os navios de guerra italianos ancorados no porto de Taranto. Mesmo assim, Mussolini enviou 230 mil homens para a Rússia com o escopo de ajudar os alemães a invadí-la.
Em 1942, enquanto as tropas do eixo começaram a sofrer as primeiras derrotas, os Aliados, fortalecidos com o esforço industrial americano, passaram a bombardear cidades italianas no norte da península, e entre elas, Bologna, nossa cidade. Com oito anos, enquanto minha irmã caçula contava três, tivemos que nos adaptar aos horrores das cidades destroçadas pelas bombas.
Logo foram instalados sistemas de alarme que nos faziam correr quando soavam. Correr para tentar preservar a vida porque em seguida chegavam os caças que escoltavam os B-29, as fortalezas voadoras que despejavam centenas de toneladas de bombas.
Correr para onde? para os espaços públicos que haviam sido construídos para aguentar até um impacto direto se estivéssemos na rua, ou para o subsolo do prédio em que habitávamos onde havia sido edificado um cubículo com este fim. Todavia, como ambos os lados construíam bombas cada vez mais destrutivas, logo os abrigos deixaram de ser seguros.
A psicologia diz que os traumas de guerra não tem cura, e que os pacientes, para conviver com eles, tem que ser de continuo medicados. Não é o meu caso, não é o caso dos meus irmãos e também não é dos amigos da época com os quais ainda me relaciono, porque conviver constantemente com o perigo, quando não há o que fazer para evitá-lo, faz com que a gente se torne imune a ele. Claro, a religião, qualquer que ela seja, ajuda, mas é preciso entender e aceitar que a morte, com ou sem guerras, sempre faz suas vítimas porque o nosso mundo é cruel. Há a crueldade dos homens, a das enfermidades, a do clima via tempestades, ciclones etc. a crueldade das forças do globo, terremotos, maremotos, tsunami etc. Há a crueldade dos animais nem que seja via cadeia alimentar e a crueldade das plantas porque também entre elas há as que matam. Sim, a crueldade do universo, porque vez ou outra a Terra é atingida por cometas. Nem por isso a vida deixa de rolar normalmente. Então, mesmo com bombas havia a escola, o estudo, as brincadeiras de rua e vez ou outra o cinema. Consequentemente, na rua, quando longe de um abrigo, como as bombas não caem verticalmente, a gente corria no sentido oposto.
Nesta época o bombardeio não era diário, mas a noite havia sempre o voo solitário de um aeroplano que chamávamos Pippo, avião que despejava suas bombas onde havia luz. Por exemplo, a pouca luz de uma janela quando não perfeitamente vedada com tela preta.
Lembro de uma noite, enquanto nos dirigíamos ao cinema para ver o gordo e o magro, ao mesmo tempo em que percebemos a presença do Pippo, ouvimos os gritos de um vigia noturno gritando: apaguem a luz, apaguem a luz. Corremos para nos afastar do local e em seguida ao silvo da bomba, como sempre acontecia, houve a explosão. Só mais uma entre as dezenas que ouvíamos diariamente. Seguimos em frente, fomos ver o filme e nos divertimos muito.
Os dias se sucediam rotineiramente até que os Aliados, após planejar o desembarque na Sicília, começaram a bombardear a Itália quase diariamente. Noite e dia quarteirões inteiros eram arrasados. Então minha mãe, após conseguir uma cadeira em uma cidadezinha a 35 Km. de Bologna, contratou um caminhão e fizemos a mudança.
Parecia outro País, porque naquele lugar, por não ser um ponto estratégico naquele momento, havia paz. Paz, mesmo se havia uma divisão alemã aquartelada. Homens, alguns deles pais saudosos dos filhos distantes, que talvez para salvaguardar parcialmente a quietude interior, vez ou outra nos regalavam alimento, que era escasso, e golusemas. Julgando-nos a salvo, acompanhávamos o desenrolar da guerra por meio do rádio de ondas curtas que, por ser proibido, mantínhamos oculto.
Chegou Maio de 1943, e nele, as forças do Marechal de Campo Rommel, a raposa do deserto, se renderam aos ingleses na África do norte, e em Junho foi a vez dos Aliados desembarcarem na Sicília. Acossado, Hitler, que precisava manter suas posições a qualquer custo, enviou mais tropas á Itália, e entre elas, as da SS. Os notórios anjos cruéis da guerra por serem os defensores da ideologia nazista. Depois disso, em todas as latitudes do País civis italianos passaram a ser considerados inimigos do Fuhrer.
A esta altura dos acontecimentos, como em todos os demais países tomados pelos alemães, a resistência (na Itália os partizans), agora em maior número e armada pelos aliados, começou a cruzada contra os inimigos, inimigos que as vezes eram seus próprios irmãos porque os alemães, ao desconfiar que alguém da resistência havia sido abrigado por civis, reuniam a família em sua própria casa e, após forçar os vizinhos a se tornarem espectadores, impregnavam suas paredes de gasolina e ateavam fogo.
Chegou-se ao ponto que, para cada alemão morto eram fuzilados os primeiros dez italianos que encontravam. Inversamente, quando eram os os partizans que supunham que um italiano favorecia os alemães, na melhor das hipótese lhe raspavam a cabeça e a cobriam de piche. Lembro de quatro episódios como se tivessem acontecido a semana finda:
Ser arrastado com minha mãe e irmãos, além de quantos residiam nas adjacências, para assistir a queima de uma residência, com seus habitantes dentro, claro, e lá sermos obrigados a permanecer até o último grito daqueles que estavam queimando vivos.
Ter estado presente quando, após escolher 10 adultos, foram colocados contra a parede para serem fuzilados. A tragédia só não aconteceu porque o ferimento no alemão não fora letal.
Assistir á degola de um rapaz pela espada de um oficial da SS porque se recusara a parar quando lhe deram voz de prisão.
Ser acordado de madrugada em minha própria casa por um grupo da resistência porque, como minha mãe era professora, entendiam (ou alguém havia feito uma denuncia) que durante as aulas falava bem do III Reich. Nos reuniram para comunicar que ali estavam para lhe raspar e cobrir de piche a cabeça. Diante dos argumentos dela, e do nosso desespero, foram embora ameaçando voltar se fosse o caso.
A guerra, agora, estava sendo vencidas pelos Aliado, mas Hitler entendia que devia resistir a qualquer custo porque seus cientistas estavam desenvolvendo armas que, se ultimadas em tempo, lhe dariam a vitória: A V-II, o míssil balístico que, disparado na Alemanha chegou a fazer milhares de vítimas em Londres. A bomba atómica, que acabou sendo desenvolvida pelos americanos, e algo super secreto que aparentemente também caiu na mão dos americanos: um disco que voava.
O esforço alemão passou a exigir cada vez mais homens, homens que escasseavam porque os disponíveis estavam todos nas frentes de batalha. O jeito, então, foi alistar moços, moços que as vezes iam para o fronte mesmo sem serem treinados. Dai, a necessidade de recrutar crianças para doutriná-las e prepará-las militarmente. Na Alemanha, creio eu, um sem número de pais enviavam seus filhos de bom agrado, claro, ainda consideravam-se a "super raça". Mas nos países invadidos os moços se escondiam ou se alistavam na resistência.
Nesse cenário, numa manhã de inverno, após uma nevasca que acumulara 40 centimetros de neve no chão, caminhões cheios de armamento foram retidos por uma avalanche a cerca de dois quilómetros de onde habitávamos. Soubemos disso quando três oficiais se apresentaram e perguntaram a minha mãe onde estava o marido. Estavam irritados porque no local só havia velhos, mulheres e crianças.
Por sorte, via Cruz Vermelha, vez ou outra recebíamos uma carta do pai, e foi uma dessas, atestando que morava no Brasil, que naquele momento nos livrou do pior. De momento, porque os velhos que haviam sido levados ao local da avalanche não estavam dando conta do recado. Então, resolveram pegar as crianças maiores para ajudar no trabalho. Uma ideia infeliz, bastou que alguns moleques fossem arrancados de suas casas para que se espalhasse a voz que estavam sendo levados para a Alemanha. Então, gritos e preces começaram a ecoar, as preces para rogar ajuda ao Alto, e os gritos quando as mães eram agredidas porque lutavam com os soldados para impedir que levassem seus filhos. Minha mãe uma coronhada.
Como sempre há um fim, qualquer que ele seja, este foi bom porque quando os veículos finalmente seguiram caminho os alemães despacharam todos para casa. Só eu fora resguardado, porque quando o oficial maior me viu com uma pá na mão, mandou que voltasse correndo para casa.
Diz-se que o tempo voa, mas naquela época era vagaroso porque os aliados, devido á forte resistência alemã, não ganhavam terreno com a rapidez que os italianos desejavam. Destarte, mesmo recheado de brincadeiras e alguns sustos, parecia paralisado. Foi uma alegria saber que no dia 22 de Janeiro de 1944, um segundo desembarque aliado, desta vez em Anzio, uma região do Lázio, província de Roma, tinha o escopo de, ao cortar os suprimentos que mantinham operacionais as tropas do Eixo que lutavam no sul, fazer com que se rendessem.
Depois disso, nós, que ansiávamos pela chegada dos libertadores para livrar a Itália do controle alemão, nos vimos frente a frente com uma realidade não imaginada. Com o com avanço aliado, antes ou depois, fatalmente, viríamos a nos encontrar na terra de ninguém, o espaço que por um tempo indeterminado permanece entre dois fogos. Então minha mãe decidiu que era hora de retornar á Bologna, mas não era tão fácil assim, pois ao longo da estrada, mesmo sendo de 35 quilómetros, havia nada menos do que cinco comandos alemães, comando que, mesmo defendidos com unhas e dentes, eram atacados por caças e bombardeiros de cinco a seis vezes por dia. Além disso não havia transporte, mesmo porque, se alguém ainda dispusesse de um veículo qualquer o mantinha escondido para evitar seu confisco. Como, então, levar para Bologna além do que possuíamos, os viveres para sobreviver? Viveres que, se no campo já eram escassos, na cidade o pouco disponível encontrava-se no mercado negro? A alternativa foi alugar uma charrete, carregá-la, e levá-la pessoalmente até Bologna. Como eu era o mais velho, coube a mim acompanhar minha mãe nas oito viagens que se fizeram necessárias.
Planejamos, então, partir bem cedo pela manhã, chegar ao destino no fim da tarde e voltar a por o pé na estrada na manhã seguinte após uma noite de sono no apartamento de meus avós maternos.
Infelizmente, só uma viagem obedeceu a este padrão. Em três delas, ao ver ao longe os ataques aeréos nos detivemos para evitá-los, e acabamos pernoitando na estrada devido á hora tardia. Mas nas outras quatro não nós foi possível evitar o batismo de fogo. Não morremos porque o destino não quiz.
Em uma delas, após ter percorrido cerca de 10 quilómetros, fomos cercados por um grupo de partizans que nos ordenou sair da estrada e deitar sob a charrete. Logo, ecoaram tiros de fuzil, morteiro e rajadas de metralhadoras por infindáveis minutos. Quando minha mãe achou seguro seguimos viagem, metros adiante, porém, fomos novamente cercados, agora por alemães fortemente armados que aos gritos nos intimaram a parar. Fomos revistados, assim como a charrete e levados para uma clareira próxima. 30 minutos após nê-la havia cerca de 50 pessoas e uma metralhadora sendo fincada no chão. Soubemos, então, que os partizans havia atacado um posto de defesa antiaérea. Inútil descrever a angústia e o medo estampado na face de todos, até que, após horas de agonia, um motociclista, ao chegar, entregou a quem estava no comando um documento. Bastou este ato para que as preces, os gritos e o som do desespero se elevassem acima de qualquer outro ruído porque tudo levava a crer que haviam ordenado a nossa morte. Estranhamente foi o inverso. Naquela fase da guerra, as sucessivas vitórias dos aliados esculpiam nas mentes de um número cada vez maior de militares o desejo de se revoltarem contra Hitler. E nos soldados cansados de tanto lutar a ideia de desertar. Mais tarde, inúmeros deles passaram a propor a troca de relógios e alimento por roupas civis.
Naquela tarde, esgotados pelo que passáramos na clareira, aceitamos o oferecimento de um casal que estivera conosco e pernoitamos em sua casa.
Havia cinco comandos alemães ao longo da estrada, instalações que, por serem atacadas pelo ar de um momento para o outro (o aviso era o toque de sirene) a chegada dos aviões tanto podia nos surpreender antes, durante ou depois. Uma tarde, por volta das 16:00 horas, sem ouvirmos a sirene, a chegada dos aviões nos pegou nas adjacências do último deles, uma área de terras incultas cuja proteção se limitava aos fossos que haviam servido para irrigá-la. Sem alternativa (a carga da charrete naquele dia não oferecia amparo), corremos ao fosso onde minha mãe, após me deitar nele, se pós sobre mim. Vimos, deste modo, que cada vez que os caças desciam metralhando, os alemães corriam para se abrigar, e, quando subiam, deixavam o abrigo para disparar seus canhões. No inicio do embate, ao acertar dois aviões, obrigaram os pilotos a se lançar de para quedas, e lançando-se, a se tornarem alvo de seus fuzis. Isso provocou a revolta de seus colegas, vingança que, ao multiplicar a agressividade do ataque, arrazou com os alemães e suas armas. Não dava para crer, mas, uma vez mais estavamos ilesos.
A estratégia dos aliados, que vencendo de continuo os alemães seguiam deslocando-se do centro para o norte, era a de derrubar pontes e destruir estradas com o escopo de bloquear o envio de tropas e suprimentos além de cortar a retirada. Então, uma manhã, ao chegarmos nas vizinhanças da única ponte existênte avisaram-nos que fora destruída. Atônitos, estancamos, relaxando ao ouvirmos que os alemães, pela necessidade de deslocar suas tropas, haviam criado condições para atravessar o rio que corria sob ela. O curso d água, naquele momento com 50 centimetros de profundidade, não era problema, o difícil era galgar as encostas laterais com cerca de 8 metros de altura. Prisioneiros italianos, então, soldados que haviam se rebelado, foram trazidos, com tratores, para suavizá-las até permitir o trânsito de veículos. Seguimos, mas logo comprendemos que não possuíamos a força física para vencer o declive, atravessar o rio cheio de pedrase e subir do outro lado.
Estávamos sem saída, quando um prisioneiros aos poucos chegou perto e fez uma proposta. Senhora, disse, está sozinha com seu filho. Se eu assumir a charrete, enquanto vocês a empurram, os alemães, neste momento ainda não totalmente refeitos, vendo um homem e uma mulher con criança levando uma charrete cheia de de alimento e pertences, é provável que entendam que somos os pais da criança e nos deixem ir. Claro que podem perceber o truque, mas em casa tenho mulher e filhos que gostaria de rever. Minha mãe lhe cedeu o lugar e veio ao meu lado para empurrar.
Naquela fase, estando os alemães a perder a guerra, a crueldade das tropas da SS reinava. Os fugitivos eram assassinados barbaramente e quem os auxiliava .... Mas eram tropas comuns que nos rodeavam. Atravessamos o largo fluxo d água cuja profundidade chegava ao meu umbigo e subimos do outro...Estavamos sob os olhares germanicos, mas, nada aconteceu. Quilómetros após, o amigo agradeceu, se despediu e sumiu ao longe.
Mas a jornada não terminara. Na altura de outro comando mais uma vez fomos surpreendidos por um ataque aéreo. Como a charrete carregava sacos de grãos resolvemos nos protegermos sob ela. Minutos após o cenário era semelhante ao que haviamos vivido, só que, desta vez, vimos balas disparadas pelos caças atravessarem os sacos e se enterraram no chão bem pertinho de nossos corpos. A defesa? Orar uma oração atrás da outra até passar o perigo.
Mas foi na última daquelas viagens que por pouco não morri. Sabíamos que ao chegar á ponte destruída não teriamos como atravessar o rio, mas naquele período, para fugir da linha de fogo que se aproximava, muitas pessoas passaram a utilizar charretes para transportar seus pertences. De fato, ao chegar ao local encontramos outros em apuros. Minhã mãe, então, propôs que os mais fortes transladassem uma por uma todas as charretes enquanto os demais permaneceriam tomando conta delas onde estivessem paradas. Como dera a ideia, a nossa foi a primeira. Travessia, feita, permaneci ao lado dela a uns 300 metros além da margem do rio enquanto minha mãe e as demais pessoas retornavam para buscar a segunda.
Se há momentos em que o tempo é similar a uma rajada de vento este foi um deles. Estava pensando na possibilidade de ataque aéreo, porque o comando alemão estava a uns 500 metros á minha direita, quando ouvi o ronco dos motores se aproximando. Olhei na direção em que minha mãe ira e, não a vendo, deitei sob a charrete. Tinha ciência, entretanto, que a carga daquele dia, móveis, não oferecia nenhuma proteção. Assim, quando as primeira rajadas destroçaram parte deles, e os fragmentos dos projéteis antiaéreos, ao cair, passaram a levantar pequenas nuves de pó ao meu redor, decidi que devia saír dali para me abrigar em uma casa que distava cerca de 300 metros á minha direita, se conseguísse chegar, claro. Corri loucamente pela estrada de terra que levava até ela porque o o zunido das balas, as explosões e a queda dos fragmentos ao meu redor eram estímulo efetivo. Como a porta estava aberta, entrei. No saguão havia dois imensos toneis, um de cada lado, daqueles que contém vinho para envelhecer e atrás deles um velhinho orando.
Onde estão as demais pessoas da casa, perguntei? Naquele abrigo ali adiante, respondeu. É seguro, insisti. Claro, foi escavado sob a rocha da montanha. Porque o Senhor permaneceu aqui? Sou velho, se tiver que morrer, prefiro morrer em minha casa.
O Sr. é louco respondi, aprontando-me para sair. O louco é você, garoto, disse ele, tentando me segurar, porque não vai chegar vivo. Sai correndo até que fui jogado longe pela chicoteada de ar provocada pela bomba que ao explodir transformara a casa em que estivera em um monte de ruínas. Semi desmaiado, fui carregado até o abrigo.
Permaneci na entrada dele, tremendo, sem conseguir tirar os olhos daquelas ruínas, porque, se o velhino tivesse me retido por mais alguns segundos, naquele momento também estaria sob elas, morto.
Ainda zonzo, demorei para ouvir os gritos alucinantes de minha mãe, sob aquele inferno de fogo, chamando-me desesperadamente. Quando vira o perigo, como havia feito quando me cobrira com seu corpo naquele fosso, ao invés de procurar abrigo, correra até o local onde me deixara. Não me encontrando, permaneceu lá me chamando temendo o pior. Quando não vi você sob a charrete, disse depois ao me abraçar, pensei que, por ter procurado abrigo naquela casa, estivesse sob suas ruínas...
O que fazer? Sai correndo na direção dela até que, vendo-me, veio ao meu encontro. Abraçados, aguardamos o fim sob uma árvore. Mais uma vez, naquele dia, alguém não deixara que nada de mal nos acontecesse.
Meses mais tarde, devido ás cruciantes dores que há tempo faziam minha mãe gritar, um amigo nos levou de carroça puxada por dois cavalos para a casa dos meus avós. Finalmente conseguíramos retornar á Bologna.
Enfim, no dia sete de maio de 1945, após o suicídio de hitler, o que restara do governo alemão, ao se render, permitiu o fim da guerra na Europa. Dois dois meses após, em julho, a vida da minha mãe também chegava ao fim vitimada pelo cancer que herdara dos sofrimentos no decorrer da guerra.
Cada um de nós quatro, então, tornou-se hospede de um parente que até então não conhecia. Eu fui residir com um tio que tinha 11 filhos................Até que no dia 2 de Julho de 1952 embarcamos para o Brasil.

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